ITIV - BREVES REFLEXÕES SOBRE A TRIBUTAÇÃO DO VALOR EXCEDENTE
Tributar um fato gerador inominado é malferir o princípio da legalidade tributária.
14 Jan 2021
Tributar um fato gerador inominado é malferir o princípio da legalidade tributária.
14 Jan 2021
A imunidade tributária prevista no art. 156, § 2º, I da CRFB, no que se refere à não incidência do ITIV sobre as operações de realização de capital social, tem por finalidade, notadamente, promover a capitalização e o crescimento das empresas mediante a desoneração de tais operações. Assim, se determinada empresa adquire bens imóveis mediante a subscrição e consequente realização de capital social, uma vez atendidas às demais condições constantes no próprio dispositivo constitucional, não deveria estar sujeita ao pagamento do imposto.
"Art. 156 - Omissis. § 2º O imposto previsto no inciso II: I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil"
No entanto, conhece-se que diversos entes municipais têm alterado seus Códigos para estabelecer uma inovação tributária, ou ─ sob um prisma mais eufêmico ─, para conferir uma exegese mais acurada do dispositivo constitucional, limitando a não incidência do ITIV ao valor atribuído ao imóvel em realização do capital social.
Para fins de elucidação, e por cumprir com rigor de detalhes a exemplificação que o tema requer, será perfilhada a transcrição do § 5º do art. 115-A do Código Tributário e de Rendas do Município de Salvador - CTRMS, eis que também já revela a ratio legis quanto à limitação da imunidade do ITIV ao valor dos bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoas jurídicas em realização de capital social, senão vejamos:
§ 5º O benefício previsto no inciso III do art. 115 desta Lei fica limitado ao valor de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoas jurídicas em realização de capital, devendo o valor excedente, se houver, que constituir crédito do subscritor ou de terceiros, ser oferecido à tributação.
Assim, de acordo com a citada norma municipal, se determinada empresa deseja realizar o seu capital social mediante a aquisição de um bem imóvel subscrito por R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), e o respectivo ente municipal, por sua vez, avalia esse mesmo bem imóvel em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por exemplo, o valor excedente de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) deverá ser oferecido à tributação.
Ora, embora a questão não esteja pacificada na doutrina nem na jurisprudência, determinados setores, com esteio na redação constitucional de que o ITIV “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital social”, sustentam que a não incidência se estende sobre o valor dos bens incorporados excedente ao valor do capital subscrito, sob a justificativa de que “o núcleo da hipótese de imunidade seria a incorporação” e não o seu valor. Ad argumentandum tantum, defendem, ainda, que as exceções às regras de imunidade somente podem ser constituídas por norma da mesma natureza, descabendo, portanto, ao intérprete e ao legislador infraconstitucional “inovar as hipóteses excepcionais” (KIYOSHI HARADA, 2016).
A outro giro, correntes contrárias abalizadas na redação da norma complementar, afirmam que a não incidência do ITIV limita-se ao valor da transmissão “para pagamento de capital subscrito” (art. 36, I, CTN). Id est, a imunidade apenas deve incidir sobre o valor correspondente à subscrição do capital social, e o valor excedente, por conseguinte, ser oferecido à tributação, justamente por já não se prestar ao pagamento do capital subscrito, mas por passar a se constituir em um crédito do subscritor ou de terceiros, conforme razões expostas no voto do Desembargador Jaime Ramos (TJ-SC), ao julgar o Recuso de Apelação promovido pelo Município de São João Batista em face da decisão de primeira instância que acolheu o pedido da empresa para fazer incidir a imunidade independentemente do valor subscrito, cuja controvérsia ainda encontra-se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal – STF (RE n. 796.376, Rel. Min. Marco Aurélio. DJe de 20-3-2015), que, por unanimidade de votos, reconheceu a existência de repercussão geral da questão para decidir se incide ou não a tributação sobre o valor excedente.
A fim de endossar a primeira linha de pensamento, a qual revela-se mais alinhada ao propósito constitucional, convém retornar brevemente às lições propedêuticas do Direito Tributário para jungir os conceitos da imunidade implícita, que se perfaz em uma demarcação à competência de tributar dos entes federados, com os conceitos da imunidade explícita, a qual na concisa ilação de HUGO DE BRITO MACHADO ocorre quando “a lei de tributação esteja proibida, por disposição constitucional, de incidir sobre certos fatos”.
O art. 150, I da CRFB, ao vaticinar que “é vedado aos entes federados exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”, com efeito, delimita a forma de competência dos entes federados, e o art. 156, II da CRFB, por sua vez, demarca os limites sobre o antecedente e a materialidade do ITIV. Destarte, colhe-se dessas infindas limitações implícitas, ao menos, uma ineludível assertiva que confronta a incidência do ITIV sobre o valor excedente do objeto da realização do capital social, qual seja: oferecer à tributação o valor excedente significa tributar um fato gerador inominado, eis que alheio ao campo de incidência delimitado pelo legislador constitucional, em desrespeito, efetivamente, ao retrotranscrito princípio da legalidade tributária estrita.
Ademais, a exigência do Fisco sobre a tributação do valor excedente representa uma ineludível ofensa ao Princípio da Capacidade Contributiva (art. 145, §1º, CRFB), eis que coteja as diferenças dos valores com fundamento numa base de cálculo assaz majorada, em total dissonância fática, cujos parâmetros são meramente arbitrados, sem que o contribuinte sequer possa obter esclarecimentos quanto aos critérios adotados na avaliação do Valor Venal Atualizado do bem imóvel.
Assim, ao estabelecer que o ITIV deve incidir sobre a diferença do valor subscrito e o valor do bem atribuído pela municipalidade, os Códigos Tributários Municipais, pretensamente, acabam por inovar a ordem jurídica, pois, por mero alvedrio, de um lado mutilam o alcance da imunidade expressa, a qual recai indiscriminadamente sobre a própria incorporação e não sobre o seu valor (KIYOSHI HARADA, 2016), e por outro, invadem a esfera de competência constitucional para alargar a hipótese de incidência do imposto, passando a tributar um fenômeno inominado, definitivamente, não previsto pelo poder legiferante competente.
Celso Matheus Pires Assunção | Advogado | Especialista em Direito Tributário